quarta-feira, 9 de maio de 2012


PEDRA MÃE E SEUS FILHOS

Que melhor fenómeno para iniciar o estudo dos conceitos e valores da Geodiversidade do que um fenómeno geológico com qualidade económica, cultural, sentimental, estética, científica, educativa e, claro, com um enorme valor intrínseco? Tudo junto! Estes são os atributos das “Pedras Parideiras”, encontradas na aldeia de Castanheira, Serra da Freita, em Albergaria-a-Velha, município de Arouca, distrito de Aveiro.
Neste local podemos interiorizar não só os conceitos de Geodiversidade, mas também, conforme idealizado por Sharples (2002, citado por Amador, 2012), os conceitos de Geoconservação - sua importância e manutenção - e Geoherança - seu valor e significado.

Pormenor de uma porção de "Pedra Parideira" utilizada na construção civil. Fonte: newswatch.nationalgeographic.com

A “Pedra Parideira” é um fenómeno geológico extremamente raro no mundo, conhecendo-se de forma mais ou menos rigorosa apenas dois locais em toda a “grande” Europa onde pode ser observado, são eles Arouca, em Portugal, e S. Petersburgo (arredores), na Rússia.
Geologicamente a “Pedra Parideira” representa um afloramento granítico (recordemos o “quartzo, feldspato e mica” do 7º ano...) com dimensões que variam aproximadamente entre os 500x700mt e os 600x1000mt, conforme o registo (José Lobo e Bruno Novo, geólogos, e “aroucanet”, o portal de Arouca, respetivamente). Este granito, rocha plutónica intrusiva rica em sílica, apresenta como muitos outros granitos porções biotíticas[1] que intercalam em maior ou menor quantidade com feldspatos e quartzo, entre outros elementos mais residuais. Ocorre, no entanto, que neste caso particular os nódulos biotíticos representam uma “coroa” que envolve um pequeno núcleo de quartzo e/ou feldspato, com forma de disco bicôncavo, que atingem entre 1 a 20(!)cm de diâmetro e cerca de 1 a 6cm de altura.

Nódulos biotíticos ("filhos") resultantes da "Pedra Parideira". Fonte: aroucanet.com

Há cerca de 320 Ma[2] e à medida que o magma que originou posteriormente o afloramento que hoje representa a "Pedra Parideira" arrefecia, enormes pressões se exerceram sobre este, tendendo a achatar os seus constituintes, ao que acresce a existência de material mantélico[3] alegadamente incompatível, não permitindo a sua perfeita integração na rocha. Enquanto este afloramento surgia à superfície, a meteorização[4] começou a “trabalhar”, sendo que a sua componente mecânica tem aqui elevada importância, uma vez que é ela a principal responsável pela desagregação dos “filhos” (nódulos de biotite) da rocha “mãe” (Pedra Parideira). Esta meteorização, predominando a crioclastia[5] e a termoclastia[6], atua degradando a rocha devido às variações de temperatura na superfície do material, que ao provocar uma constante variação de volume pelo aquecimento/arrefecimento (dilatação e contração), associada à intrusão da água em fraturas, que posteriormente congela, com aumento do seu volume (10%) e consequente efeito de “cunha”, é a responsável pela desagregação da rocha[7]. A biotite, com a sua foliação marcada, é a primeira a “saltar” de forma mais visível, parindo então a rocha um filho (Lobo, 2006 – Adaptado).
Chamada carinhosamente pelos locais como “ a rocha que pare pedra”, a este fenómeno são atribuídas características místicas pela sabedoria popular, destacando-se o mito de que quem dormir com um dos nódulos (“filhos”) destacados da rocha-mãe verá a sua fecundidade aumentada. Tais crenças, associadas ao desconhecimento e falta de civismo de alguns, leva a que a quase totalidade dos nódulos, anteriormente visíveis às centenas, tenha desaparecido na sua quase totalidade, facto que levou à alguns anos atrás à obrigatoriedade de vedar grande parte do local, retirando algum do seu valor estético e diminuindo (para que não diminua mais...) um património que é de todos.
Por tudo o citado, a geodiversidade deste local peculiar representa, conforme a definição de Stanley (2001 – citado por Amador, 2012), a ligação privilegiada entre pessoas, paisagem e cultura (...).

Um exemplo da Geodiversidade de Arouca. Fonte: ummundoglobal.com

Concluindo, este como muitos outros exemplos no nosso país representam um património geológico a preservar a todo o custo, estabelecendo sempre uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a zona onde tal riqueza se inclui, tarefa que não se afigura difícil, dado o potencial educativo e turístico destas regiões, associado a uma cada vez maior consciencialização dos cidadãos para a necessidade da preservação (geoconservação) do nosso património.
Um curioso e simples vídeo (pela idade e desenvoltura do "jornalista") que caracteriza resumidamente este nosso tema mostra-se em seguida, devendo reparar o leitor em como mesmo a um aluno informado e capaz de uma apresentação de qualidade, falta ainda alguma consciência na preservação da geodiversidade, dado incitar à recolha dos exemplares no final da sua apresentação.


E que melhor forma de terminar uma análise do que com um poema?

Se uma pedra nodular,
É capaz de procriar,
Um coração empedernido
É bem capaz de amar.

Não há feldspato nem mica,
Nem nenhuma teoria explica,
Porque a aldeia da Castanheira
Tem a pedra parideira.

A rocha-mãe, por termoclastia,
Sem demonstrar agonia,
Ultrapassa o seu limite
Dando nódulos de biotite.

Se uma pedra nasce assim,
Como será o seu fim?
O vento batendo-lhe no rosto,
Fá-la não ter posto.
Enquanto eu tenho desgosto,
No andar a contra gosto.

A pedra nasce com sorte,
E eu, com sofrimento,
Até que me leve a morte
Num derradeiro padecimento.

Autor: Felix Rodrigues. Fonte: Blog "desambientado"


Boas Leituras
José Rocha

Referâncias:
- Brilha, J., (2005), Património Geológico e Geoconservação - A conservação da Natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu. ISBN 972-8575-90-4
- Lobo, J. e Novo, B. (2006), A''Vida'' das Rochas, as Pedras Parideiras. Artigo no âmbito da colaboração Visionarium/ Ciência Hoje, editado a 09/02/2006. On-line em http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=2345&op=all
- Sharples, C., (2002), CONCEPTS AND PRINCIPLES OF GEOCONSERVATION. Published electronically on the Tasmanian Parks & Wildlife Service website. Austrália.
- Tourtellot, J., (2011), UNESCO’s Geoparks “Clarify” Geotourism. National Geographic Magazine. artigo on-line em http://newswatch.nationalgeographic.com/2011/11/16/unesco’s-“geoparks”-embrace-geotourism/
- http://geologia.aroucanet.com, consultado a 09/05
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra_parideira, consultado a 08/05
- www.geoparquearouca.com/?p=home, consultado a 08/05

[1] Biotite é um mineral (silicato) ferromagnesiano, negro ou muito escuro, do grupo das micas, com clivagem muito bem definida e comum nos granitos. A sua fórmula química relativamente complexa não faz justiça à sua beleza (K(Mg,Fe)3(OH,F)2(Al,Fe)Si3O10).
[2] Milhão de anos.
[3]Derivado do Manto, camada que em geodinâmica interna se situa por baixo da crosta terrestre e superiormente ao núcleo.
[4] Processo inicial da sedimentogénese, onde uma rocha começa a ser degradada pelos agentes mecânicos e químicos do meio, com a resultante desagregação e posterior erosão.
[5] Fenómeno de aumento do volume da água por congelamento dentro de fendas pré-formadas, com o consequente efeito de "cunha" e desagregação da rocha já fragilizada. 
[6]Fenómeno que resulta na degradação lenta das camadas superficiais de rocha derivadas da alternância entre períodos de calor e frio.
[7] Como as rochas são em geral agregados poliminerálicos, e devido ao facto de cada mineral apresentar diferentes valores de coeficiente de dilatação, surgem diferentes velocidades de expansão e contracção. As partes mais externas das rochas, sujeitas a fortes amplitudes térmicas diurnas vão-se fracturando.

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