quarta-feira, 9 de maio de 2012


PEDRA MÃE E SEUS FILHOS

Que melhor fenómeno para iniciar o estudo dos conceitos e valores da Geodiversidade do que um fenómeno geológico com qualidade económica, cultural, sentimental, estética, científica, educativa e, claro, com um enorme valor intrínseco? Tudo junto! Estes são os atributos das “Pedras Parideiras”, encontradas na aldeia de Castanheira, Serra da Freita, em Albergaria-a-Velha, município de Arouca, distrito de Aveiro.
Neste local podemos interiorizar não só os conceitos de Geodiversidade, mas também, conforme idealizado por Sharples (2002, citado por Amador, 2012), os conceitos de Geoconservação - sua importância e manutenção - e Geoherança - seu valor e significado.

Pormenor de uma porção de "Pedra Parideira" utilizada na construção civil. Fonte: newswatch.nationalgeographic.com

A “Pedra Parideira” é um fenómeno geológico extremamente raro no mundo, conhecendo-se de forma mais ou menos rigorosa apenas dois locais em toda a “grande” Europa onde pode ser observado, são eles Arouca, em Portugal, e S. Petersburgo (arredores), na Rússia.
Geologicamente a “Pedra Parideira” representa um afloramento granítico (recordemos o “quartzo, feldspato e mica” do 7º ano...) com dimensões que variam aproximadamente entre os 500x700mt e os 600x1000mt, conforme o registo (José Lobo e Bruno Novo, geólogos, e “aroucanet”, o portal de Arouca, respetivamente). Este granito, rocha plutónica intrusiva rica em sílica, apresenta como muitos outros granitos porções biotíticas[1] que intercalam em maior ou menor quantidade com feldspatos e quartzo, entre outros elementos mais residuais. Ocorre, no entanto, que neste caso particular os nódulos biotíticos representam uma “coroa” que envolve um pequeno núcleo de quartzo e/ou feldspato, com forma de disco bicôncavo, que atingem entre 1 a 20(!)cm de diâmetro e cerca de 1 a 6cm de altura.

Nódulos biotíticos ("filhos") resultantes da "Pedra Parideira". Fonte: aroucanet.com

Há cerca de 320 Ma[2] e à medida que o magma que originou posteriormente o afloramento que hoje representa a "Pedra Parideira" arrefecia, enormes pressões se exerceram sobre este, tendendo a achatar os seus constituintes, ao que acresce a existência de material mantélico[3] alegadamente incompatível, não permitindo a sua perfeita integração na rocha. Enquanto este afloramento surgia à superfície, a meteorização[4] começou a “trabalhar”, sendo que a sua componente mecânica tem aqui elevada importância, uma vez que é ela a principal responsável pela desagregação dos “filhos” (nódulos de biotite) da rocha “mãe” (Pedra Parideira). Esta meteorização, predominando a crioclastia[5] e a termoclastia[6], atua degradando a rocha devido às variações de temperatura na superfície do material, que ao provocar uma constante variação de volume pelo aquecimento/arrefecimento (dilatação e contração), associada à intrusão da água em fraturas, que posteriormente congela, com aumento do seu volume (10%) e consequente efeito de “cunha”, é a responsável pela desagregação da rocha[7]. A biotite, com a sua foliação marcada, é a primeira a “saltar” de forma mais visível, parindo então a rocha um filho (Lobo, 2006 – Adaptado).
Chamada carinhosamente pelos locais como “ a rocha que pare pedra”, a este fenómeno são atribuídas características místicas pela sabedoria popular, destacando-se o mito de que quem dormir com um dos nódulos (“filhos”) destacados da rocha-mãe verá a sua fecundidade aumentada. Tais crenças, associadas ao desconhecimento e falta de civismo de alguns, leva a que a quase totalidade dos nódulos, anteriormente visíveis às centenas, tenha desaparecido na sua quase totalidade, facto que levou à alguns anos atrás à obrigatoriedade de vedar grande parte do local, retirando algum do seu valor estético e diminuindo (para que não diminua mais...) um património que é de todos.
Por tudo o citado, a geodiversidade deste local peculiar representa, conforme a definição de Stanley (2001 – citado por Amador, 2012), a ligação privilegiada entre pessoas, paisagem e cultura (...).

Um exemplo da Geodiversidade de Arouca. Fonte: ummundoglobal.com

Concluindo, este como muitos outros exemplos no nosso país representam um património geológico a preservar a todo o custo, estabelecendo sempre uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a zona onde tal riqueza se inclui, tarefa que não se afigura difícil, dado o potencial educativo e turístico destas regiões, associado a uma cada vez maior consciencialização dos cidadãos para a necessidade da preservação (geoconservação) do nosso património.
Um curioso e simples vídeo (pela idade e desenvoltura do "jornalista") que caracteriza resumidamente este nosso tema mostra-se em seguida, devendo reparar o leitor em como mesmo a um aluno informado e capaz de uma apresentação de qualidade, falta ainda alguma consciência na preservação da geodiversidade, dado incitar à recolha dos exemplares no final da sua apresentação.


E que melhor forma de terminar uma análise do que com um poema?

Se uma pedra nodular,
É capaz de procriar,
Um coração empedernido
É bem capaz de amar.

Não há feldspato nem mica,
Nem nenhuma teoria explica,
Porque a aldeia da Castanheira
Tem a pedra parideira.

A rocha-mãe, por termoclastia,
Sem demonstrar agonia,
Ultrapassa o seu limite
Dando nódulos de biotite.

Se uma pedra nasce assim,
Como será o seu fim?
O vento batendo-lhe no rosto,
Fá-la não ter posto.
Enquanto eu tenho desgosto,
No andar a contra gosto.

A pedra nasce com sorte,
E eu, com sofrimento,
Até que me leve a morte
Num derradeiro padecimento.

Autor: Felix Rodrigues. Fonte: Blog "desambientado"


Boas Leituras
José Rocha

Referâncias:
- Brilha, J., (2005), Património Geológico e Geoconservação - A conservação da Natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu. ISBN 972-8575-90-4
- Lobo, J. e Novo, B. (2006), A''Vida'' das Rochas, as Pedras Parideiras. Artigo no âmbito da colaboração Visionarium/ Ciência Hoje, editado a 09/02/2006. On-line em http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=2345&op=all
- Sharples, C., (2002), CONCEPTS AND PRINCIPLES OF GEOCONSERVATION. Published electronically on the Tasmanian Parks & Wildlife Service website. Austrália.
- Tourtellot, J., (2011), UNESCO’s Geoparks “Clarify” Geotourism. National Geographic Magazine. artigo on-line em http://newswatch.nationalgeographic.com/2011/11/16/unesco’s-“geoparks”-embrace-geotourism/
- http://geologia.aroucanet.com, consultado a 09/05
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra_parideira, consultado a 08/05
- www.geoparquearouca.com/?p=home, consultado a 08/05

[1] Biotite é um mineral (silicato) ferromagnesiano, negro ou muito escuro, do grupo das micas, com clivagem muito bem definida e comum nos granitos. A sua fórmula química relativamente complexa não faz justiça à sua beleza (K(Mg,Fe)3(OH,F)2(Al,Fe)Si3O10).
[2] Milhão de anos.
[3]Derivado do Manto, camada que em geodinâmica interna se situa por baixo da crosta terrestre e superiormente ao núcleo.
[4] Processo inicial da sedimentogénese, onde uma rocha começa a ser degradada pelos agentes mecânicos e químicos do meio, com a resultante desagregação e posterior erosão.
[5] Fenómeno de aumento do volume da água por congelamento dentro de fendas pré-formadas, com o consequente efeito de "cunha" e desagregação da rocha já fragilizada. 
[6]Fenómeno que resulta na degradação lenta das camadas superficiais de rocha derivadas da alternância entre períodos de calor e frio.
[7] Como as rochas são em geral agregados poliminerálicos, e devido ao facto de cada mineral apresentar diferentes valores de coeficiente de dilatação, surgem diferentes velocidades de expansão e contracção. As partes mais externas das rochas, sujeitas a fortes amplitudes térmicas diurnas vão-se fracturando.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Caros,

Aproveitando uma reflexão realizada no âmbito da Gestão de Recursos Marinhos, aqui deixo, a título de curiosidade, uma pequena história sobre o Procambarus clarkii no Paúl do Boquilobo, local obrigatoriamente a visitar por qualquer português que se preze de o ser.

Esta espécie é nativa da América do Norte, sendo cá em Portugal considerada uma "Espécie Exótica Invasora", tal a sua interferência com os ecossistemas a que se adapta.
Numa das mais bonitas zonas húmidas do país, o Paúl do Boquilobo, é causa de grande desequilíbrio.

Procambarus clarkii Fonte: Wikimedia.org


Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Sub-filo: Crustacea
Classe: Malacostraca
Ordem: Decapoda
Família: Cambaridae
Género: Procambarus
Sub-género: Scapulicambarus
Espécie: P. clarkii

O Lagostim-Vermelho-do-Luisiana (LVL) é um crustáceo de água doce, tipicamente avermelhado ou acastanhado, que atinge até 15cm de comprimento, realizando a sua respiração por brânquias. Carreira (2010) refere ao longo do seu estudo "Impactos de
Procambarus clarkii na comunidade de macrófitas de charcos temporários mediterrânicos: uma abordagem experimental" que este artrópode pode chegar a consumir diariamente até 8% do seu peso húmido em alimento, atingindo segundo a National Biological Information Infrastructure mais de 50g em pouco mais de 3 meses, de onde deduzimos a sua voracidade e impacte nos ecossistemas que habita. É curioso que consiga permanecer muito tempo fora de água (lembremos que respira por brânquias) o que lhe confere ótima capacidade de adaptação a albufeiras, lagoas, charcos, rios e ribeiras de água doce, com diferentes salinidades.

O LVL prefere o início e final do dia para a sua atividade de alimentação e reprodução, tendo a particularidade de escavar túneis para se enterrar no solo, característica que o torna ainda mais indesejável em diversas culturas e pequenos diques ou albufeiras,
que se vêem assim fragilizadas nas suas funções. Ao nível alimentar pode ser considerado omnívoro, tal a variedade de alimentos que ingere (crustáceos, peixes, anfíbios, algas, plantas...), sendo-lhe ainda atribuídas características de canibalismo. A sua maturidade sexual é atingida rapidamente, realiza mudas (descartando a sua carapaça "antiga") e possui um ciclo de vida muito curto, o que confere uma vantagem nos habitats invadidos (lembramos que a nossa espécie nativa, o Lagostim-de-Patas-Brancas -Austropotamobius pallipes-, tem um ciclo mais longo, o que lhe confere desvantagem competitiva). 

Austropotamobius pallipes Fonte: Wikipedia.org
Devido à sua enorme capacidade de adaptação a diferentes alimentos, salinidades e temperaturas, esta espécie é extremamente adaptável a diversos habitats, competindo ferozmente com os seres vivos autóctones, sendo portanto um redutor de biodiversidade,
o que lhe confere estatuto indesejável. Tem ainda a particularidade de ser um vetor de transmissão para o fungo Aphanomyces astaci, ao qual as populações de crustáceos ibéricas não estão adaptadas, pelo que frequentemente morrem após o contacto.
No que concerne ao seu estatuto "legal", a consulta ao Decreto-Lei n.º565/99 de 21 de Dezembro, e a informação fornecida pelo Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto não deixam margem para dúvidas. A saber (respeitante ao Dec-Lei):
Anexo I – Espécie introduzida em Portugal Continental
Anexo III – Espécie de risco ecológico
MMA (ErU) - Lista preliminar de espécies exóticas invasoras cuja erradicação é urgente em Espanha (Ministério Meio Ambiente de Espanha).
Invasiber - Espécies exóticas invasoras da Península Ibérica (Ministério da Ciência e Tecnologia de Espanha).
EEA/SEBI - Lista das piores espécies exóticas invasoras que ameaçam a biodiversidade na Europa (Convenção da Biodiversidade).
Daisie - Inventário de espécies exóticas invasoras na Europa (Comissão Europeia)

Em Portugal continental, segundo Cruz (2001), esta espécie foi introduzida no final dos anos 70, alegadamente derivado da sua introdução em Espanha (Badajoz) alguns anos antes, com fins alimentares. O primeiro registo concreto foi realizado no rio Caia (um
afluente do Guadiana) em 1979 (Ramos e Pereira, 1981). Graças à capacidade de adaptação já referida, rapidamente se espalhou por toda a zona centro. É aqui que entra a sua influência no Paúl do Boquilobo. 

Biodiversidade no Paúl do Boquilobo Fonte: rtt.ipt.pt e avesdeportugal.info


O Paúl do Boquilobo é uma zona húmida de enorme riqueza e importância, localizada na bacia hidrográfica do rio Almonda, tendo recebido o estatuto de "Reserva Natural" pelo Decreto-Lei nº 198/80, de 24 de Junho (ICNB). Aqui, diversos estudos demonstram que este ser vivo (o LVL)  tem sido um verdadeiro problema ambiental. Como exemplo, Cruz (2001), detetou uma abundância neste local de 15,6 indivíduos por m2, situação que por senso comum compreendemos ser insustentável. Demonstrou-se ainda a redução quase
até à extinção de várias espécies de tritões, rãs e mesmo algumas aves, cujos seus ovos em ninhos rente ao solo são atacados. A captura por armadilha e camaroeiro revelou algum sucesso, dado o elevado número de indivíduos capturados. Daqui a minha opinião em como ao potenciar esta captura e apoiar a sua utilização para diversos fins comerciais poderá ser uma pequena fonte de rendimento de pescadores locais e ainda uma eficaz forma de controlar a população deste seres vivos. 
Relembremos a este respeito que esta espécie já deu origem à Portaria n.º 1089/99, de 17 de Dezembro, que transcrevo:

"Atendendo ainda a que a captura do lagostim vermelho pelos pescadores profissionais contribui significativamente para o controlo das populações daquela espécie: Manda o Governo, pelo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, ao abrigo da Base XXXIII da Lei n.º 2 097, de 6 de Junho de 1959, da alínea d) do artigo 31.º e dos artigos 41.º e 84.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, o seguinte: 1.º É criada uma zona de pesca profissional no troço do rio Almonda"

Acrescente-se ainda para consubstanciar esta opinião que além de um alimento desejado e facilmente incorporado na dieta de seres humanos e animais, vários estudos (Martins, 2009) já identificaram o LVL como uma rica fonte de quitina (rendimento de
apróx. 22%) e de astaxantina (4,4%) um poderoso antioxidante.
 
Bibliografia base consultada:

- Anastácio, P., (1993) CICLO BIOLÓGICO E PRODUÇÃO DO LAGOSTIM VERMELHO DA LOUISIANA (Procambarus clarkii, Girard) NA REGIÃO DO BAIXO MONDEGO. Departamento de Zoologia da Universidade de Coimbra, Coimbra. On-line em www.decol.uevora.pt/anastacio/_private/MSc%20Thesis%20Anastacio%201993.pdf
- Carreira, B., (2010) Impactos de Procambarus clarkii na comunidade de macrófitas de charcos temporários mediterrânicos: uma abordagem experimental. Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências,Lisboa. On-line em http://hdl.handle.net/10451/2425
- Cruz, M., (2001) Influência do Lagostim-Vermelho-do-Luisiana na Comunidade de Anfíbios da Reserva do Paúl do Boquilobo. Relatório de Estágio. Instituto da Conservação da Natureza, Reserva natural do Paúl do Boquilobo. On line em http://portal.icnb.pt/NR/
rdonlyres/7C8B0B51-B7E9-4CFB-A403-7BF5F72E63F /0/RNPBLagostim_ImpactoAnfibios_2001.pdf
- Curado, N., (2009) Reserva Natural do Paul do Boquilobo, uma zona húmida a cuidar no coração de Portugal. On-line em http://naturlink.sapo.pt/Natureza-e-Ambiente/Sistemas-Aquaticos/content/Reserva-Natural-do-Paul-do-Boquilobo-uma-zona-humida-
a-cuidar-no-coracao-de-Portugal/section/3?bl=1.
- Martins, P., (2009) Caracterização e valorização do lagostim procambarus clarkii. Revista da Faculdade de Ciência e Tecnologia. Porto. ISSN 1646-0499. N.º6 pp 110-122. On-line em http://hdl.handle.net/10284/1342
- Plano de ordenamento da reserva natural do paul do boquilobo, disponível em http://portal.icnb.pt
- www.afn.min-agricultura.pt (em 27/04)
- www.charcoscomvida.org (em 27/04)
- www.icnb.pt (em 28/04)
-  www.rtp.pt/antena1/?t=Reserva-Natural-do-Paul-do-Boquilobo---Reportagem-de-Arlinda-Brandao.rtp&article=2282&visual=11&tm=12& headline=13(em 28/04)
- www.wikipedia.org/wiki/Procambarus_clarkii (em 27/04)

domingo, 22 de abril de 2012

DIA MUNDIAL DA TERRA
22 de Abril de 2012

Fonte: Vimeo.com

     Inicialmente criado em 1970, nos Estados Unidos da América, pelo ambientalista (e senador à data) Gaylord Nelson, convencionou-se o dia 22 de Abril como o DIA MUNDIAL DA TERRA, tendo por objetivo, pelo menos neste dia, consciencializar todos e cada um de nós para as problemáticas da contaminação e destruição da Biodiversidade, bem como alertar de um modo geral para a necessidade de preservar o Planeta Terra. Um pequeno resumo da origem deste dia pode ser encontrado em http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Terra .

     Lembremos que a "nossa" terra não é só "nossa", é de todos nós! Foi dos nossos bis e trisavós e será dos nossos filhos e netos. Temos a obrigação de a deixar ainda melhor tratada do que a encontrámos. A cada um cabe a sua parte. 


A todos um ótimo domingo.
JRF

sábado, 21 de abril de 2012


NEM TUDO ESTÁ PERDIDO!

      Todos sabemos, muito graças ao registo fóssil, que as atuais taxas de perda de Biodiversidade são por várias ordens de grandeza superiores às ocorridas na maior parte da história da vida na terra, associando de imediato tal acontecimento à ação antropogénica. Entre 12% a 52% das espécies de taxa superiores estão neste momento ameaçadas de extinção (IUCN Red List). 

 Número de espécies extintas anualizadas desde 1800. Fonte: Whole-Sistems.org

        A Floresta Amazónica e do sudeste asiático, as zonas húmidas mundiais, os grandes lagos da África oriental ou o Bangladesh. Todos zonas onde os ecossistemas estão a mudar a ritmos vertiginosos, em grande parte devido à ocupação das suas terras para agricultura intensiva.
       Sabemos também, no entanto, que alguns ecossistemas estão a voltar ao seu estado natural e que a taxa de conversão de alguns ecossistemas começou a abrandar e não apenas pela ausência de mais habitats para conversão, mas sim devido à consciencialização de muitos que se preocupam com o futuro de muitos mais. A camada de ozono estratosférica diminuiu o seu ritmo de redução, tendo mesmo evoluído desde à três anos a esta data e por um fenómeno ainda sem explicação definida, alguns glaciares na zona dos andes encontram-se a aumentar de volume. Nunca como agora comunidades, ONG´s, governos ou indústrias se empenharam tanto em ações concretas para mitigar a perda da Biodiversidade. 
Existe portanto esperança. Todos podemos atuar. Mas como? Vejamos apenas alguns exemplos do que poderá ser feito por nós, enquanto indivíduos, enquanto grupos organizados ou governos:
-     Regulamentar estritamente as medidas de quarentena nas águas de balastro ou nas migrações e transporte de indivíduos, bens e mercadoria;
-    Regulamentar a existência de ainda mais áreas protegidas, fazendo cumprir a legislação naquelas que já o são;
-     Implementar e apoiar projetos de recuperação de espécies ameaçadas e de restauração de ecossistemas em perigo;
-       Potenciar a conservação in situ e ex situ da diversidade genética;
-  Incorporar a gestão da Biodiversidade nas práticas agrícolas, pesqueiras e florestais;
-       Controlar de forma próxima a caça e pesca;
-   Reduzir ao máximo a poluição do solo, água e atmosfera, já que estes representam um driver primário e mesmo secundário de extrema importância na destruição de habitats;
-       Regular a ampliação das fronteiras agropecuárias;
-       Reduzir o aquecimento global;
-       Educar e ser educados;
-       ...
E o mundo nunca mais será o mesmo. Será muito melhor!


Há esperança.

AMEAÇAS ATUAIS E FUTURAS À BIODIVERSIDADE

De uma forma global podemos dividir as principais ameaças à Biodiversidade identificadas (driver´s) em dois grupos: Diretas e Indiretas. No lado das diretas destacam-se o inadequado uso do solo, as mudanças climáticas, a introdução de espécies invasoras a sobreexploração e a poluição. No lado das indiretas destacam-se as mudanças demográficas, socio-políticas, económicas, culturais, científicas e tecnológicas. As ameaças indiretas atuam frequentemente por influenciarem as diretas. Todos estas ameaças, obviamente, variam na sua importância consoante a região onde ocorrem, mas um dado é certo – a perda de Biodiversidade continua.

 Perda de Biodiversidade estimada dos últimos 40 anos. Fonte: WWF

        Embora todos os ecossistemas desde a sua criação experimentem mudanças, com maior ou menor impacto, por causas estritamente naturais, grande parte das atuais mudanças tem origem antropogénica, particularmente na demanda de recursos, não esquecendo que a população mundial duplicou nos últimos 40 anos, prevendo-se que chegue aos 9 600 000 000 indivíduos já antes de 2050 (Millennium Ecosystem Assessment - 2005). O processo de globalização veio ampliar algumas destas mudanças, embora tenha atenuado outras. Analisemos as principais ameaças:

        A condição cultural de um povo ou indivíduo influencia diretamente a sua perceção e conhecimento do mundo, implicando diretamente no que consideramos importante ou secundário, correto ou incorreto, ou mesmo no conhecimento científico ou tecnológico e no seu impacto (positivo ou negativo) no meio.
       O aumento da população como um todo ou em determinado local está normalmente associado ao processo de urbanização, com melhor ou pior ordenamento, situação que tem levado sempre a um aumento do consumo de recursos (alimento, energia...) nesse local específico, pressionando o ecossistema.
      Mudanças económicas ou culturais de um povo podem representar um desequilíbrio para o ecossistema pelas mais diversas razões, recordemos por exemplo que o aumento do poder de compra tem estado relacionado com o aumento do consumo de carne, fenómeno que conhece um aumento exponencial em países como China ou Brasil (Agricultural and agri-food Canada, 2010), alimento este reconhecido pelo extremo stress que coloca no ambiente onde é produzido.

 Produção de carne por pessoa nos últimos 50 anos. fonte: FAO

         Já no campo sócio-político, é importante para os cidadãos compreenderem o poder de quem dita as leis e baterem-se por uma democracia interventiva e participativa, só assim podendo defender ecossistemas contra abusos da classe dirigente, que por vezes coloca à frente de interesses do povo, interesses privados ou de uma classe dirigente desinformada ou com uma perspetiva de futuro limitada. Vários dados, no entanto, nos mostram que isto está a mudar (Home, 2009).
      Ao nível científico e tecnológico ocorrem as maiores mudanças numa base quase diária. Todos os dias o conhecimento avança a um ritmo alucinante na sociedade da informação, mas, mesmo não o conseguindo acompanhar na totalidade, cabe à educação permitir um olhar critico da sociedade a estas mudanças, impedindo aquilo que manifestamente causará um desequilíbrio presente ou futuro, incompatível com a manutenção da Biodiversidade.
       
      Já como driver direto mais importante destaca-se a transformação de habitats para agricultura. Atualmente, as áreas cultivadas, que apresentam por isso mais de 30% da sua área ocupada por campos de cultivo, produção de gado, aquacultura ou outros, cobrem mais de 25% da superfície terrestre. Grande parte desta ocupação é realizada com monoculturas, que, tal como o seu nome indica, reduzem a biodiversidade na razão inversa do lucro gerado e aos adubos ou pesticidas utilizados, com o resultante stress hídrico, salino ou químico para o solo que dai advêm. Os ecossistemas marinhos representam aqui um caso grave, não só pela sua grande degradação, mas acima de tudo, pela taxa hiper-rápida a que a mesma ocorre, tendo estes o óbice de as suas transformações serem menos visíveis e documentadas até à pouco tempo atrás. O arrasto, como exemplo, reduz drasticamente a diversidade de animais marinhos bentónicos e, ao capturar indiscriminadamente espécies, altera de forma definitiva teias alimentares complexas, obrigando ao consumo de seres vivos que ocupam níveis tróficos cada vez mais baixos. Só no período “pós pesca industrial” pensa-se que a biomassa de pescado já terá reduzido mais de 90% (Millennium Ecosystem Assessment - 2005). 

 Estrutura de uma população oceânica "típica" de peixe, com a linha laranja a marcar 50% do número de indivíduos que atinge a maturidade. Sem influência humana (sup. esq.), com 20% de pesca (sup. dto.), com 40% de pesca (inf. esq.) e com 60% da população pescada (inf. dto.) Fonte: reefresillience.org

       A dispersão de espécies invasoras verificou-se nas últimas décadas como nunca até ao momento, muito devido aos fenómenos da globalização, viagens e turismo. Medidas regulatórias desadequadas tem aqui alguma culpa. Factos como a alteração climática permitem que vetores de doenças como o Dengue ou a cólera aumentem em regiões onde nunca existiram, ou mesmo que a alteração da temperatura (frequentemente o seu aumento)  influencie a mortalidade dos seres vivos mais sensíveis e o desaparecimento de muito alimento em determinados Biomas.
       As alterações climáticas, intimamente ligadas a driver´s indiretos como a indústria ou os transportes, são de extrema importância na alteração da Biodiversidade. Fatores como a diminuição da água disponível, inundações e outros acontecimentos catastróficos, a redução da hidroenergia ou a fragmentação de habitats, com a direta interrupção de migrações, não podem ser negligenciados.
       A poluição como forma de degradação de um ecossistema assume várias vertentes, tomemos como o exemplo da carga de nutrientes descarregada nos lençóis freáticos, rios e oceanos deste planeta. Só desde 1950 a introdução de azoto, fósforo, enxofre e outros nutrientes com origem antropogénica foram considerados como um dos principais driver´s para a mudança de muitos dos ecossistemas aquáticos dulçaquicolas e costeiros no nosso planeta (Millennium Ecossystem Assessment - 2005). Estas descargas causam eutrofização intensiva, com a resultante diminuição do teor de O2 na água e potencial ingestão elevada de nitratos e outros poluentes pelos seres vivos que nela habitam, de onde derivará uma bioampliação (aumento na cadeia alimentar) e bioacumulação (aumento no organismo) indesejável para todos. As descargas pontuais e a poluição mineira são também um problema a ter em conta.
       A sobreexploração dos recursos biológicos (gráfico anterior) é hoje um dos fatores de diminuição da biodiversidade mais bem conhecidos pelo ser humano, não se ficando apenas pela “conhecida” diminuição dos recursos piscatórios, mas afetanto literalmente todos os ecossistemas, de forma transversal, embora com diferentes impactos, uma vez que as ligações entre estes são intrincadas. A “Homogenização Biótica” daqui derivada é um acontecimento indesejável, uma vez que dada a dimunuição de espécies, o ecossistema passará a ser dominado por um número reduzido de seres vivos mais bem adaptados, desequilibrando ainda mais o meio.

Os problemas, como vemos, são muitos, mas existirão soluções ou este é um caminho sem retorno?

De entre a bibliografia base destaca-se:

- Millennium Ecosystem Assessment (2005) "Causes of Biodiversity change", pp. 8-10 e  "What are the current trends and drivers of biodiversity change and their trends", pp. 42-59
- Myers, N. (1996) “The rich diversity of biodiversity issues”. In M. Reaka-Kudla, D.E. Wilson, & E.O. Wilson (eds.) Biodiversity II: understanding and protecting our biological resources, Joseph Henry Press, Washington, D.C.
- IBGE. (2004) "Indicadores de desenvolvimento sustentável", Brasil. On line em geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturai/indicadores_desenvolvimento_sustentavel/biodiversidade.pdf

sexta-feira, 20 de abril de 2012


DELICADA BIODIVERSIDADE

Embora a vida caracterize o nosso planeta, segundo Myers (1996) sabemos mais sobre o número de átomos que compõem o universo do que sobre as intrincadas relações que se estabelecem entre seres vivos. 20% das espécies de plantas e ainda mais animais estão confinados a apenas 0,5% do planeta, em áreas muitas vezes tropicais ou do tipo “Mediterrânico”, sendo frequentemente ricas em espécies endémicas, mas de extrema sensibilidade, o que as torna num “Hotspot” biológico. Este autor afirma ainda que os lagos tropicais possuem cerca de 40% das espécies de peixes identificadas até hoje (os lagos Malawi, Tanganyika e Victória pensa-se possuirem 11% dessas espécies, apenas em 0,08% da área terrestre) e cerca de 20% dos vertebrados, representando no entanto menos de 0,01% da água do planeta e desaparecendo ainda mais rapidamente do que as florestas! Estes Biomas sensíveis, por estarem relativamente isolados e, também eles, suportarem um elevado endemismo, são muitas vezes considerados “Ilhas Ecológicas”. E, em alguns destes locais, tais como os lagos referidos anteriormente, cientistas reclamam uma perda de cerca de 67% da biodiversidade graças à introdução de espécies invasoras, podendo este número chegar aos 90% em breve.
Lago Tanganyika. Fonte: tudolevapericia.blgsp.com

Ciclídeo originário do Lago Malawi.  Fonte: shutterstock.com
As Zonas Húmidas tropicais (e em muitos outros locais), constituem meios de grande sensibilidade física e química e riqueza biológica, pensando-se que só nas últimas décadas e maioritariamente por causas antropogénicas tenham perdido 50% da sua área a nível mundial.
Embora vários biomas terrestres possuam fraca “Resiliência Ecológica”, ou pelo menos parte das espécies que neles habitam, não nos devemos esquecer que já nos últimos 20 000 ou 30 000 anos foi perdida muita biodiversidade, não só pelas mudanças climáticas mas também pela caça humana, no entanto, nunca foi possível atribuir de forma tão segura esta perda às causas antropogénicas como nas últimas décadas.
Embora em alguns locais a taxa de “Diversificação Evolucionaria”, que nos permitirá “devolver” alguma da biodiversidade perdida a determinado Bioma, seja relativamente rápida, falamos sempre em “milhões de anos” neste capítulo. Não esqueçamos, por exemplo, que no ultimo período Permiano (299 a 251 milhões de anos –Ma- atrás) onde se perdeu talvez metade das famílias de vertebrados marinhos, foram necessários 20 Ma para recuperar cerca de metade (Myers, 1996). Como disseram Soule e Wilcox (1980), “Death is one thing, put an end to birth is something completely different”.
Gráfico representativo das extinções nos últimos 600Ma. Fonte: ndsu.edu
A Biodiversidade está em crise, mas quais as suas causa concretas?

De entre a Bibliografia consultada destaca-se:
Myers, N. (1996) “The rich diversity of biodiversity issues” pp. 125-138. In M. Reaka-Kudla, D.E. Wilson, & E.O. Wilson (eds.) Biodiversity II: understanding and protecting our biological resources, Joseph Henry Press, Washington, D.C.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

 
Biodiversidade – Que Valor?


     Tal como referido no post anterior, o conceito de Biodiversidade não se esgota numa definição única, necessitando isso sim de uma abordagem holística e ponderada para lhe atribuir uma (ou mais…) definições e valor.
 davidsuzuki.org

      Atribuir um valor à biodiversidade parece inicialmente um tanto ou quanto petulante, mas apenas se nos esquecermos que muitas das ações humanas são frequentemente irreversíveis no que se refere à alteração da Biodiversidade. Mesmo quando não são irreversíveis, possuem por vezes tal extensão que invalidam a recuperação ou utilização do recurso de forma equilibrada pelo homem por muitos e longos anos, aproximando-se quase do conceito de “recurso não renovável”. O ser humano necessita de estar alerta para a forma como a Biodiversdade contribui para lhe fornecer alimento, cultura, saúde ou mesmo liberdade de escolha. Para a forma como a humanização dos ecossistemas que ocorre pelo menos nos últimos 200 anos tem vindo muitas vezes a piorar o nosso bem estar geral e a fazer sofrer quem por vezes menos se pode defender.
cbd.int

      Atribuir um valor à Biodiversidade de determinado local é no entanto um exercício delicado, não só pelas condicionantes de espaço e tempo de estudo desse local, mas também pela relativa ausência de dados rigorosos ao nível da taxonomia ou genética de determinados ecossistemas. Do Pré-Câmbrico ao atual Cenozóico, passando pela origem das plantas com flor, a maioria dos invertebrados e os primeiros vertebrados no Paleozóico e pela “idade do répteis”, no Mesozóico, muito aumentou o nosso conhecimento da Biodiversidade do planeta em que vivemos, no entanto, conforme referido por Mooney et al (2005), as mudanças graduais ou abruptas em determinado ecossistema e a multiplicidade de relações que estes encerram em si e entre si dificulta muito a tarefa de “avaliar”.

      O ou “os” ecossistemas de um pais, é sabido, representam uma enorme mais valia para o capital desse mesmo pais (Mooney et al, 2005), no entanto, quantos de nós conhecemos métricas económicas concretas que indiquem esse valor? Todos sabemos, por simples senso comum, que a Biodiversidade tem um importante valor intrínseco, alem de representar inúmeras hipóteses por explorar nas mais diversas áreas do conhecimento, no entanto o benefício de alguns indivíduos continua a ter um custo elevado para a sociedade no seu todo. Impõe-se uma abordagem com precaução a este nível, pois o custo de uma mudança irreversível pode ser demasiado elevado para suportar.
gifttonature.org

Atribuir um valor e valorizar a Biodiversidade implica que sejam tomadas decisões fundamentadas em estudos concretos e análises mais detalhadas de riscos e benefícios. A variabilidade genética, ecológica e funcional de determinadas espécies, o seu/os níveis tróficos em determinada teia alimentar, a abundância de determinado tipo de indivíduos num ecossistema, a sua variação no tempo e espaço, ou a sua distribuição global são fatores a ter em conta para avaliar uma espécie, população, comunidade ou ecossistema. Um valor ainda mais correto poderá, hipoteticamente, ser obtido se adicionarmos a capacidade de adaptabilidade genética de uma população (que nos dará a capacidade de resiliência a uma mudança ambiental, por ex.), as interações existentes entre espécies ou a quantidade e qualidade do serviço que determinado ecossistema presta ao ser humano, tendo em conta a sua localização e distribuição.

Concluindo, tal como Bryant (2005) refere na sua obra, inúmeros argumentos poderão ser postos em cima da mesa para consubstanciar a importância da conservação da Biodiversidade e a atribuição de um valor à mesma. Veja-se por exemplo a capacidade de fornecimento de alimento ou produtos naturais ao homem, a manutenção da variabilidade genética (e com isso capacidade de adaptação) ou a riqueza cultural de determinada área. Ou mesmo os sinais de alarme, opções futuras e modelos científicos de estudo que determinadas zonas poderão fornecer. Poderíamos encontrar uma métrica atribuindo um valor de 1 a 10 a determinado parâmetro, fazendo a média simples de todos os parâmetros contabilizados em determinada situação e atribuindo-lhe, por ex, um valor de urgência de preservação ou intervenção, seria no entanto redutor.

Bibliografia base:

-        Christie et al, Valuing the diversity of biodiversity, Socio Economic Research Services (2005), Aberystwyth, SY23 3AH UK;
-        Millennium Ecosystem Assessment, Ecosystems and Human Well-being: Biodiversity Synthesis (2005).  World Resources Institute, Washington, DC;